terça-feira, 26 de agosto de 2008

Inn e Iang do Oeste

Correndo o risco de encabeçar a lista, um ignorante é produto do meio ou a ignorância é o próprio meio pra se alcançar um objetivo?
Pra que pensar tanto se é a prática da vida quem salva do apuro de um tiroteio no meio da rua? “agora abaixo-me, deito-me no chão, não confronto...”; “agora tiro o sujeito do carro e desfiro um soco...”; “agora me escondo e espero o pior passar”; “agora pego escondido e permaneço vivo” etc etc etc. Uma vez Piteco, sempre Piteco!
De fato, a prática é a essência... e leva à suspeição. Todo mundo desconfia até do gato preto, coitado, que nem sabe que se chama gato. Seria apelar, acho, se suspeitasse de minha própria sombra. Contanto, meu reflexo num espelho quebrado por mim, “pé de pato, mangalô trêis vêiz!”. Isso é científico. Dá uma tese.
Posso expor esse viés, mas qualquer um diria que não levo em conta e ignoro o tanto que evoluímos, as descobertas, o celular, a célula nervosa, o computador (veja bem que infâmia!). E hei de render-me. Até porque a prática não traduz todo potencial que nos faz viver, embora haja casos em que só ela seja suficiente.
Talvez, a ignorância esteja no uso e não no saber? Que tal, então?
Ao mesmo tempo em que o homo sapiens sapiens descobriu que podia enxergar mais longe na busca de Deus e sua fazenda em outros planetas quaisquer da galáxia, aprendeu a olhar mais de perto, tão de perto que passou a enxergar o que não se pode ver a olho nu. Não obstante (pra manter o rigor científico), começou a pensar que também existia uma dimensão interior profunda, que só se pode conceber por meio de esforço imaginativo. Traços de evolução? Sim! Descemos da árvore e saímos da caverna (não a de Platão que nem era nascido à época. Esta ainda é moda!). E agora? Pra que rumo vamos?
Longe de mim afirmar que a ciência é a cara-metade da ignorância, mas juro que há momentos em que o tanto que a ciência, em seu sentido mais amplo, fez pra que ostentássemos o status máximo na escala evolutiva e um nome científico pomposo e deveras complicado, por vezes, me faz sentir numa jaula de homo sapiens demens.

Carta de um Apologista Confesso

Sr. Cidadão Gaia,

Gostaria, profundamente, de começar o ano bem. Sendo assim, não consigo encontrar outro meio, senão o de me delatar e esperar um veredicto que me condene ao que bem mereço.
Fui eu, sim, Senhor Gaia, quem espalhou a história que hoje faz de nós um povo tão perdido e mal-amado. Foi um ato invejoso e inconseqüente do qual muito me envergonho.
Era pra ser um mito, tão somente, que depois serviria como apreciação literária. Só apreciação! É tudo que eu sempre quis. Sempre cresci sabendo do sucesso de meus irmãos e queria ser como eles. Mamãe se orgulharia de mim, também.
Infelizmente, tomaram-se proporções grandiosas e o que era pra ser um passatempo transformou-se em tragédia in vivo et in loco.
Foi de uma historieta que surgiu todo esse inferno que estamos. Só Deus sabe o quanto me lamento!
Por diversos momentos, reuni-me secretamente com outros escritores frustrados a fim de criar a obra-prima dos mitos. A pretensão era transformá-la em um mito marcante, vívido, para que o guardassem para sempre como quem guarda para sempre as letras escritas em um pergaminho sépia.
Daí, ferrou-se tudo!
A história passou de boca a ouvido, como diriam os chineses. Sempre acreditei que o poder do som fosse mais marcante, como um concerto de Bach ou de Villa-Lobos. Era, ainda, uma forma de proteção, confesso. Por isso, nunca deixei que qualquer cópia impressa escapasse de meu caixa-forte.
No entanto, dada a necessidade, parece-me que escrevê-la possa alcançar mais rapidamente a mente de todos. Hoje, a preocupação, o pesar, a culpa e arrependimento me pesam quinze quilos, redondos, a mais que meu instinto de sobrevivência.
E aí vai a prova do crime...
Antes de rascunhar os borrões que se seguem como um desabafo, auto-delação ou pedido das mais sinceras desculpas, penso ser justo explicar alguns termos que saíram de minha mente fértil, para que o Senhor não se perca e possa me perdoar. São termos recorrentes:
Casa Platô – Templo construído em homenagem ao Rei Platus, figura importante da mitologia que originou o movimento politinítico, em uma elevação do Monte Alijhaera.
Monte Alijhaera – Local sagrado onde se hospedavam os deuses mais poderosos. Foi palco de diversas batalhas, onde os mais fortes eram promovidos e os mais fracos sucumbiam.
Politinítica – ideologia criada por Platus, cuja lei maior é adequar-se ao que mais for útil. Segundo os politínicos todo homem é bom ou mau, depende da circunstância. Estaria aí o segredo da felicidade.

“Do alto do Monte Alijhaera, Rahís (irmão do dono do universo, que estava licenciado por um problema na panturrilha esquerda) despachava o serviço quando foi interrompido por Platus, um jovem ambicioso, astuto e muito esforçado:
- Diz-me o que queres, Platus – pronunciou Rahís, pegando um copo de água e levando-o à boca.
- Quero ter meu próprio mundo, majestade. Cresci, aprendi e me julgo apto a ter minhas próprias regras, a gosto de meu bel prazer.
O vice-deus Rahís engasgou-se e, por meio de sua tosse, respingos da água, carregados de rancor, indignação e ira foram lançados aos quatro ventos da Terra, povoando-a de uma nova espécie que sairia de seu casulo após sete anos de mutação.
- Eis o teu pedido, Platus! Aí está tua nova raça. Cria, alimenta e ensina tudo o que julgares adequado. Só não te esqueças de uma coisa: um dia serás a inspiração maior da Uruborus. Vai-te, insolente! Irás voltar e te peço que não te inclines somente cinco graus a quem estiver neste trono. Caso contrário, serás morto. – e cuspiu em direção ao solo, lançando numa terra que, mais tarde, seria chamada de “Terra do Ipê-Roxo” a maior parte da água que ainda havia em sua boca.
Solitário, porém, orgulhoso, Platus desceu em direção à sua nova morada. Não entendeu aquilo como um rebaixamento, mas como uma exclusão, um castigo.
Pautado por seu caráter duvidoso, Platus escondeu-se numa caverna por quinhentos anos, alimentando-se de água da chuva, inicialmente. Logo depois, descobriu que podia usar as ovas do animal que mais o ameaçava à época: o esturjão. Era uma forma de extinguir o medo de ser exterminado por sua maior ameaça, bem como de alimentar a si e a suas crias. Assim, criou o que mais tarde seria chamado de caviar. Prosperou em seu plano e sentiu-se mais confiante que nunca.
Saiu da caverna e em sua aventura mais desafiadora, ordenou que suas criaturas se espalhassem pelos quatro cantos do mundo, propagando os conceitos de Subordinação Falseada. Lutou contra monstros marinhos e da terra. Preparou-se para sua batalha final durante milênios, até agregar ao seu grupo aquela que fez com que brotasse a ambição mais profunda que se já conheceu: Politéia.
Sedutora e mais astuta que Platus, convenceu-o de que o medo não faz prosperar.
- É verdade, Poli! Tem razão. Amanhã conquistaremos Alijhaera!
E assim passou a noite com o sono mais tranqüilo que já tivera em sua vida.
Acordou, montou seu cavalo e subiu o Monte Alijhaera, com todos seus súditos e Politéia ao lado.
Ao chegar ao topo, adentrou-se no salão principal e tamanho fora seu susto ao deparar-se somente com os rélys (povo devoto de Rahís, bastante inteligente, crítico mas altamente dependente das ordens do vice-deus).
Uma vez assim, obedeceram à ordem de retirada proferida por Platus. Resmungaram muito, mas saíram. Logo encontraram outro monte, mais abaixo, para habitar.
Na saída, Platus dirigiu-se a um deles:
- Vem cá! Onde estão os deuses?
- Viajaram! – e saiu, dando as costas a Platus.
Perplexo, Platus sorriu, deu de ombros e sentou-se ao trono.
Foi desse dia em diante que os ensinamentos politínicos passaram a ser conhecidos por aquela terra. Disseminou-se a prática politínica e proliferaram-se os casulos em todas as cavernas e buracos daquele mundo. Seres que não nasciam dos casulos, aderiam às práticas da ideologia e faziam disso sua razão de existência.
Todo o império politínico só correu risco de queda uma única vez.
Foi quando Platus, ao acordar numa madrugada para beber um copo d’água, surpreendeu Politéia com Sacro, o Sagrado em seu trono.
Ambos foram banidos e Platus reinou sozinho, com seus súditos à base de caviar e Subordinação Falseada.
Politéia viveu com Sacro pelo resto de sua vida, mas não conseguiram um reino no alto de um monte. Habitam de favor nas casas de quem os aceita como hóspedes.”

É esse, portanto, o mito-pai de toda a bagunça.
Não era pra levarem tão a sério assim!
Sem mais para o momento, espero por minha condenação conformadamente.



J.W. Grimm (o Caçula)
Recanto de Meio-Centro, 1 de Janeiro de 2015

P.S.: o endereço está no envelope.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Quantas Contas! Conte-se!

Mais que dois, são três... são quatro, cinco, dez... não importa o exercício que o valha, sempre a quantidade traz consigo a dificuldade no controle, na resposta ágil e convicta. Sempre!
É simples: quanto maior a quantidade, mais tempo para tudo, mais peso em tudo, mais conta, raciocínio, demanda, dúvidas ou certezas.
Não quero dizer, com isso, que a maior quantidade faça emergir um sentido de derrota ou desespero. Ao contrário, o dito reza que “o que vem para somar é sempre bem-vindo”.
Tampouco, afirmo que dificuldade do controle seja sinônimo de fracasso. Também, me toma a idéia popular de que as dificuldades dignificam o herói.
Então, quantos números e unidades fazem a conta certa?
Já disse a meu filho que o dono das contas não sou eu.
Daí ele me vem com um exemplo:
- Mas, pense bem... eu peso 35 quilos e nem pareço pesar muito porque eu me agüento e não cansa. Mas, toda vez que você me pede pra carregar um saco de arroz do supermercado, que só pesa 5 quilos, logo estou cansado! Como pode?
- Eu não sei explicar direito, mas você vai se acostumando aos poucos com o peso do seu corpo. Você não percebe quando muda de peso. Assim, seu corpo se adapta devagarinho, concorda?
- É! Faz sentido, sim! E o saco de arroz aparece do nada, lá da prateleira pra eu carregar, não é? Por isso, então, que cansa!... Se eu fosse você, então, pensaria muito, antes de me fazer pegar tanto saco de arroz!
- Por outro lado, e se você passar pela prateleira e não pegar o arroz?
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- Acho que morro de fome. Adoro arroz!
- Pois é!
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- Mas, também, e se você me pedir pra carregar 7 sacos de arroz, de uma só vez?
- Ué! Eu não vou fazer isso. Vou sempre ajudar você!
- Hum!
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- Qual é seu peso?
- Devo ter uns 80 quilos, hoje. Mas, por que?
- Tem sempre alguém pra ajudar você a carregar 16 sacos de arroz de uma só vez?
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- É! Tem razão! Não dou conta de carregar tudo isso.
- Pai!... já que você não é o dono das contas, da próxima vez, me deixa
carregar só 2 quilos de feijão?