quarta-feira, 27 de junho de 2007

Zezinho, Joana e Um Amigo

Dizem que escrever histórias requer paciência. Dizem que pede inspiração; uma dose de imaginação, criatividade. Há outros que dizem que só se precisa da lembrança como companhia, sentada na cadeira ao lado.
Há dias em que sinto que as lembranças são chatas, a inspiração é uma companheira que só me faz querer sentar-me à rede e exercitar o silêncio vazio, a paciência parece uma conhecida de infância (e já passei desta há décadas!), com a qual não guardo mais qualquer relação de intimidade. Colocar as coisas em palavras, nesses dias, é o último recurso.
Li, outro dia, das várias páginas rasgadas por um autor na tentativa de escrever a primeira frase de sua história. Tem que haver a chama divina que traz à terra o sopro ou fagulha lingüística manifesta em sopa de letrinhas num papel.
Em uns dias, as letras aparecem como flashes ou imagens que não param de existir. Em outros, a câmara só tira fotos queimadas, desfocadas e ocas. E hoje é um dia que segue a segunda sugestão. É, também, um último recurso.
Como já perdi o sorriso e o prazer, vale qualquer rabisco que faça o tempo passar. Passatempo, sim! Mas, não lhe parece que o passatempo vivido nos tempos de criança soava mais leve e contente?
Antes de me justificar, rascunhei uma primeira frase:
“Quem imaginaria que a espera pelo próximo trem...”
E travei!
Vi a cena de uma jovem mulher parada numa estação à espera do trem de volta para o lar. Eu sabia como era o lugar. Poderia descrever, inclusive, o que se passava dentro da jovem de vinte e cinco anos que eu vi. Senti sua respiração, tinha certeza do que seu olhar triste queria que eu pusesse no papel, vivi com ela a mesma batida de coração. Ouvi o que sua alma queria me dizer. Porém, hoje é um daqueles dias em que me sinto incompetente. Apaguei a frase, e entreguei essa alma nas mãos de Deus. Minto! Virei as costas e fui embora, bem assim! Sobrou-me a culpa. Sorte ter como álibi o sentimento ruim que me justifica qualquer fracasso no dia de hoje.
Engraçado! Veja só como são as coisas!
Ontem rimos de um jovem que se aproximou dizendo:
- Se eu tirar um sorriso de vocês, ganho um trocado, moço?
- Sim, vamos lá! – e não tinha como ser diferente a resposta ao garoto com tintas no rosto.
Não sei a razão, mas minha intenção era simplesmente ficar sério todo o tempo, a fim de saber quantas coisas o tal menino sabia fazer. Deixei que esgotasse todas as tentativas.Umas sem grande graça, verdade. Outras engraçadíssimas! Permaneci sério. Foram contados três minutos e ele abaixou a cabeça e substituiu o sorriso inicial, em função da chance dada, pelo ar sério:
- É, moço! Desculpe-me! E obrigado pela oportunidade. Tem dias que a gente sente que faz, mesmo, papel de palhaço sem que fosse essa a intenção real, né? – E sorriu, saindo.
Mas gargalhei com o comentário. Assustado, ele virou-se e esperou o desfecho de minha reação inesperada.
- Tome aqui, rapaz! Você é muito bom no que faz! Deveria pensar em levar a sério sua arte. Todos os dias você está aqui?
- Sim! – sorridente e com ar de orgulho.
Despedimo-nos dele, felizes, e fomos.
Hoje, enquanto voltava pra casa, resolvi parar no mesmo lugar onde encontrei aquele jovem de ontem. E não havia criança alguma com rosto pintado. Mas tinha, sim, um moleque sentado no meio-fio, hoje sem máscaras e sem fazer qualquer questão de arrancar sorriso de ninguém. Aproximei-me, sentei-me e perguntei:
- Olá! Está de folga? Não tira sorrisos dos outros, hoje?
- Hoje não faço as pessoas rirem, nem pinto meu rosto. Mas, sabe, moço... tem dias que a gente sente que faz papel de palhaço sem que fosse essa a intenção real, né?
Fiquei em silêncio por uns instantes.
- Mas você não gosta, então, do que faz?
- Gosto, sim! É que hoje eu só queria descansar um pouco. Meus amigos pegaram meu dinheiro de ontem e sumiram. Acabaram me fazendo de bobo. Tô triste!
Conversei mais alguns minutos com o Zezinho e vim embora. Prometi voltar pra rever o novo amigo mais vezes.
O dia passou e creio que estou como o Zezinho. A grande diferença é que ele sabia o motivo do seu desconforto. E os meus são tantos, que nem sei qual deles usei como pretexto. Como pode? Os nomes que se dão às coisas são os mesmo. Tristeza, guardadas suas diferenças ortográficas e fonéticas características de cada idioma, tem o mesmo significado em todo canto; alegria é alegria em todo lugar; medo idem... Como pode a mesma coisa ser vista de jeito tão peculiar, no entanto? Como pode ser tão subjetiva a experiência de cada uma? E, logo, pode se desfazer!
Veja, foram-se minutos que preenchem quase uma hora de meu tempo, já! Parece que está funcionando. Só não consegui, ainda, uma idéia para escrever.
Há uma hora eu conversava com um grande amigo ao telefone. Certa vez ele me disse que o grande segredo da vida era abrir a geladeira, pegar aquela cerveja gelada e curtir os momentos antes da grande confusão. Lembrei-me da conversa àquela época:
- Mas, Zé, ela descobriu tudo e você nessa calma?
- Rapaz, só amanhã que vou saber do desfecho. Nem sei o que ela pensa disso. Vou me estressar pra quê?
- Ta certo! Até lá, a cerveja!
- Mas é óbvio! Uma loira de cada vez!
Sabe de uma coisa... Talvez, esteja certo.
Amanhã verei Zezinho. Temos muito que aprender. É estranho como em todo tempo é preciso fazer com que as coisas sejam vividas. Se não é pela inquietude que uma angustia gera, é pelo excesso de inatividade que esta mesma se manifesta e dá voz. O grande perigo é se perder nisso e a desorientação ecoa em tudo.
Quando me omiti há alguns minutos, a alma daquela jovem queria me dizer o seguinte:
“Quem imaginaria que a espera pelo próximo trem seria o início de uma viagem fascinante! Tal fascínio não me cegou os medos nem evitou as quedas que eu previa levar. Trouxe, daquela estação, todos eles comigo. Eram meus! Só não previa que, na bagagem, eu acrescentasse asas que me fariam conhecer jardins tão vistosos em minha volta ao lar”.

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