Aqui na ilha não há vida. Nem a minha se apresenta com fôlego maior que um sopro tímido. Aqui na ilha não há peixes, ainda. Vi pequenos cardumes se refugiarem na ilha de lá que nem vejo mais. Quem sabe não voltem amanhã. Aqui na ilha não há comida. Sempre vejo peixes pularem daqui pra longe no mar. Só os bichos que aos poucos foram pra ilha de lá. E estes, já nem os vejo mais.
Pensei que nunca estaria sozinho aqui na ilha. Mas agora estou. Nem mesmo os cocos que estão em todas as ilhas de que me lembro... aqui não estão. Ô mundo oco!
Sob o sol escaldante me pelo a pele enrugada e mais enrugada pelo mar salgado que só me salga a boca. Nem pra minha sede ele é útil. Até esse pedaço perdido de terra me ampara melhor.
De todo canto dessa ilha só ouço o ruído irritante desse mar insosso e só vejo espuma branca que se ergue nele, com mais areia pálida e garrafa de vidro... garrafa?! Juro que se agora não estivesse segurando a garrafa de vidro, diria ser uma miragem “miragem é no deserto, oras!”, alucinação... sei lá! E há papel dentro.
[Diário: ontem fui pego pelos guardas do rei. não me insulta o despropósito, pois meu irmão, por sorte nesse acontecido, estava com trajes que o confundiam com minha figura. só lamento o infeliz não ter se pronunciado em minha defesa. faria qualquer coisa para defendê-lo. sua infelicidade torna-o imaginável assim, não pela sua omissão perante o irmão, mas por sua vida desgraçada. daqui ouço os guardas amaldiçoando meu nome. seus olhares também me condenam quando passam em frente a minha cela. fito-os, mas não alimento ódio. só me ocupa a mente minha tortura daqui a três dias. que destino me aguarda?]
Há letras no papel. Será que saiu de uma ilha essa garrafa?
[Diário: hoje ouvi, pela manhã, o guarda falando da tortura da gota. minha morte seria lenta. gotas de água caindo sobre a cabeça vagarosamente, até que seja perfurada e cause algum tipo de dor em minha mente.]
Há frases nesse papel. Quanto tempo pra chegar ao mar aberto?
[Diário: é noite, novamente. o silêncio me deixa sem sono. lá fora nem parece haver vida. nem mais consigo imaginar os fanfarrões nas tabernas em algazarras que duram noite adentro. Corinas, Luzias, Celestes... estas só riem, choram e gemem, ao mesmo tempo, em suas alcovas. fora delas são sérias, amarguradas e toscas, como eu com olhar morto rumo a um horizonte sem cor. durante a tarde, ouvi rumores de minha execução, acredito. sugeriram ao rei meu enforcamento. amanhã decidem por mim meu futuro, ou destino, já que esse é um fim. o tilintar das chaves me adormece logo.é ronda...]
Letras minúsculas sempre! Faz lógica? Toda frase começa com a letra maior, qualquer um sabe. Quando eu escrevia era assim. Um dia me pediram uma matéria sobre justiça. Mataram alguém na rua. Só me lembro de que justo era o juiz. Nem sei mais se foi ele o justo.
[Diário: manhã cinzenta. gris da cela, da parede, do chão, dos meus olhos e de quem está perto. esticar-me-ão pés e braços. crescerei até arrancarem-me tudo. crescimento vão. crescimento vil. pequeno, faço-me presente, tanto que estou preso. nem em tortura os prazeres são deixados de lado. Biltriz me chamou em segredo e comentou um plano de fuga.]
Essa história... parece coisa de doido! Admira-me como ele conseguiu lançá-la ao mar e veio em minha direção. Quanto tempo pra chegar até mim?
[Diário: é tarde. há sol lá fora. um guarda me disse que meu destino seria a guilhotina. Isso não posso admitir! Separar meu coração de minha cabeça... Isso não! Deus me proteja em meu intento daqui para frente. Prefiro que minha alma chegue inteira aos céus. Biltriz me mostrou o local da fuga numa parede da prisão.]
...
[Diário: Noite chuvosa e chorosa. Mas um choro de alegria é o que me toma conta por dentro. E por fora também. As gotas do céu molham minha cabeça e papel, e meus olhos também embaçam por si só. Meu irmão livre está mais perto de mim em memória. Mas posso me distanciar dele em matéria, agora. Lançarei esse diário ao sol, aos ventos e à água. Que se queime o que for necessário. Que mergulhe se for esse seu destino. Ou que alce vôo. Agora, meu árbitro sou eu, livre. Até breve, destino!]
Enquanto nado, queria saber quantos dias esse diário viajou preso, dentro da garrafa. Os peixes e os bichos da ilha de lá, onde estão? É aquela. É naquela ilha... esta... é nesta que há vida.
Pensei que nunca estaria sozinho aqui na ilha. Mas agora estou. Nem mesmo os cocos que estão em todas as ilhas de que me lembro... aqui não estão. Ô mundo oco!
Sob o sol escaldante me pelo a pele enrugada e mais enrugada pelo mar salgado que só me salga a boca. Nem pra minha sede ele é útil. Até esse pedaço perdido de terra me ampara melhor.
De todo canto dessa ilha só ouço o ruído irritante desse mar insosso e só vejo espuma branca que se ergue nele, com mais areia pálida e garrafa de vidro... garrafa?! Juro que se agora não estivesse segurando a garrafa de vidro, diria ser uma miragem “miragem é no deserto, oras!”, alucinação... sei lá! E há papel dentro.
[Diário: ontem fui pego pelos guardas do rei. não me insulta o despropósito, pois meu irmão, por sorte nesse acontecido, estava com trajes que o confundiam com minha figura. só lamento o infeliz não ter se pronunciado em minha defesa. faria qualquer coisa para defendê-lo. sua infelicidade torna-o imaginável assim, não pela sua omissão perante o irmão, mas por sua vida desgraçada. daqui ouço os guardas amaldiçoando meu nome. seus olhares também me condenam quando passam em frente a minha cela. fito-os, mas não alimento ódio. só me ocupa a mente minha tortura daqui a três dias. que destino me aguarda?]
Há letras no papel. Será que saiu de uma ilha essa garrafa?
[Diário: hoje ouvi, pela manhã, o guarda falando da tortura da gota. minha morte seria lenta. gotas de água caindo sobre a cabeça vagarosamente, até que seja perfurada e cause algum tipo de dor em minha mente.]
Há frases nesse papel. Quanto tempo pra chegar ao mar aberto?
[Diário: é noite, novamente. o silêncio me deixa sem sono. lá fora nem parece haver vida. nem mais consigo imaginar os fanfarrões nas tabernas em algazarras que duram noite adentro. Corinas, Luzias, Celestes... estas só riem, choram e gemem, ao mesmo tempo, em suas alcovas. fora delas são sérias, amarguradas e toscas, como eu com olhar morto rumo a um horizonte sem cor. durante a tarde, ouvi rumores de minha execução, acredito. sugeriram ao rei meu enforcamento. amanhã decidem por mim meu futuro, ou destino, já que esse é um fim. o tilintar das chaves me adormece logo.é ronda...]
Letras minúsculas sempre! Faz lógica? Toda frase começa com a letra maior, qualquer um sabe. Quando eu escrevia era assim. Um dia me pediram uma matéria sobre justiça. Mataram alguém na rua. Só me lembro de que justo era o juiz. Nem sei mais se foi ele o justo.
[Diário: manhã cinzenta. gris da cela, da parede, do chão, dos meus olhos e de quem está perto. esticar-me-ão pés e braços. crescerei até arrancarem-me tudo. crescimento vão. crescimento vil. pequeno, faço-me presente, tanto que estou preso. nem em tortura os prazeres são deixados de lado. Biltriz me chamou em segredo e comentou um plano de fuga.]
Essa história... parece coisa de doido! Admira-me como ele conseguiu lançá-la ao mar e veio em minha direção. Quanto tempo pra chegar até mim?
[Diário: é tarde. há sol lá fora. um guarda me disse que meu destino seria a guilhotina. Isso não posso admitir! Separar meu coração de minha cabeça... Isso não! Deus me proteja em meu intento daqui para frente. Prefiro que minha alma chegue inteira aos céus. Biltriz me mostrou o local da fuga numa parede da prisão.]
...
[Diário: Noite chuvosa e chorosa. Mas um choro de alegria é o que me toma conta por dentro. E por fora também. As gotas do céu molham minha cabeça e papel, e meus olhos também embaçam por si só. Meu irmão livre está mais perto de mim em memória. Mas posso me distanciar dele em matéria, agora. Lançarei esse diário ao sol, aos ventos e à água. Que se queime o que for necessário. Que mergulhe se for esse seu destino. Ou que alce vôo. Agora, meu árbitro sou eu, livre. Até breve, destino!]
Enquanto nado, queria saber quantos dias esse diário viajou preso, dentro da garrafa. Os peixes e os bichos da ilha de lá, onde estão? É aquela. É naquela ilha... esta... é nesta que há vida.
Um comentário:
Belo! Bravo! Eis, minha história preferida até aqui ... ;-)
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