quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Juras

Das juras que se fazem enquanto inebriado de amor, somente as pronunciadas parecem ser verdadeiras; e só parecem, pois, haja repetição para que essas se tornem verdades incontestáveis. Depois de muito repetir o ritual, o Gera passou por uma que não esperava.
Sair do trabalho na sexta-feira era motivo de sorriso. Todos sabiam disso, mas Gera sempre contou com Dora para fazê-lo exímio nessa arte. E lá ia ele. “Hoje é sexta, Gera”. – dizia um; “Ah, Gera, que meu fim de semana seja tão bom quanto o seu” – brincava outro. E lá ia Gera.
Toda sexta-feira era o mesmo caminho. Do trabalho, seguia para o trabalho de Dora, e porquanto não findava seu expediente, era tempo de sentar-se para ler uma revista e tomar um chá. Quinze minutos atento à leitura e um “eu te amo!” dispersou seus interesses para a mesa ao lado:
- Eu também! – dizia ele, olhando nos olhos dela.
- Ah, assim não vale.
- O que não vale?
- Fala direito.
- Ta bom, então! Eu amo você como nunca amei ninguém na vida! – sorrindo.
- Lá vem você querer me comparar. Que mania!
- Claro que não! Só estou enfatizando meu amor por você.
- E precisa falar das outras?
- Mas, meu amor, estou falando é de você, só pra você. Nem pensei em ninguém.
- Ah, então fala assim, aleatoriamente? É só da boca pra fora? – meio manhosa, porém, com raiva expressa e evidente.
- Você complica as coisas, heim! – e se afastou.
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- Pôxa, eu só queria que dissesse “eu te amo”.
- E eu disse. Você que parece que não acredita nunca! Daqui a pouco vai querer levar isso pra análise. – e sussurrou um “ e bem que precisa”.
- Que foi que você disse, Júlio?
- Eu não falei nada. Só falei que fico chateado quando você precisa que eu diga a toda hora que amo você. Que necessidade é essa, Deus do céu?! Já tirou meu humor e a culpa é sua, Cléo.
- Era tudo tão simples! Não precisava chegar a esse ponto.
- Ah, é? Pois então tem que ser tudo do seu jeito, não é, mesmo? Vou fazer do seu jeitinho. Quer ver só?
Gera, só nesse instante, tirou a revista que ocultava sua atenção na conversa, pois, o tal Júlio levantou-se e profetizou como nos tempos da Roma Antiga, a quem quisesse ouvir:
- EU TE AMO! – e ainda saiu, baixinho, depois da declaração, um “cacete!”. Sentou-se, cruzou os braços, armou o bico e perguntou em tom baixo: - Ta feliz agora?
Duas velhinhas que passavam com sacolas de compra nos braços abraçaram-se, pálidas, e seguiram caminho olhando para trás. O músico diminuiu o som do violão e começou a murmurar a música que cantava, fixando o olhar nos dois. Uma criancinha que passeava com seu irmãozinho mais velho virou-se para seu pai e perguntou se o moço estava bravo, no que o pai ironizou “Não, minha filha, eles só estão brincando. Um dia você entende”, e sorriu. À exceção de um segurança que prontificou-se a uma vigilância mais próxima e os vendedores fuxicando entre eles em tom de zombaria, só Gera tentou agir de forma natural.
- Não precisava disso, Júlio. Deixa de ser ridículo. Ai, que vergonha, meu Deus! – abaixou o rosto com a mão sobre a testa.
- Se não está satisfeita, fale. Melhor dizer o que pensa. Parece que nunca está contente com nada do que faço.
- Só queria que me dissesse “eu te amo!’, eu já disse.
E, justo nessa hora, a loja de discos resolveu aumentar o volume da música de um cantor que estava na moda, anunciando a promoção. Gera não ouviu mais nada, mas pôde ver o Julião se aproximando do ouvido dela, pronunciando umas palavras que a fizeram sorrir e beijá-lo.
“Ué, rápido assim?!”- pensou.
Gera só não teve a certeza do que ele dissera, mas Dora chegou nesse instante. Prontamente, ele se levantou e sussurrou baixinho:
- Amor, quantas vezes eu preciso dizer que amo você, para que acredite que eu amo você?
- Ah, amor! Que pergunta!... Mas, quer saber, mesmo? Sua carinha me diz isso a toda hora.
Diz o Gera que aquele foi o fim de semana da certeza de que ela era a mulher de sua vida.
Também, cá pra nós, Gera, já não era sem tempo. Doze anos de noivado!

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