quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Ossos do Ofício ou Loucuras de Ofício

Cada louco com sua mania



Quando César formou-se em medicina, não sabia que seus anos de residência renderiam boas risadas no futuro. Parecia menos provável, ainda, pela opção que tomou enquanto especialista: virou psiquiatra.
Num daqueles hospitais-dia, era rotina o doutor César chegar às sete e meia da manhã, todos os dias. Comum, também, os plantões aos finais de semana em outro hospital no centro da cidade. À base de café e cigarro, chegava à conclusão de que, naquele ritmo, era ele quem precisaria de um cuidado logo, logo!
Mais um dia típico, e lá ia doutor César com seu passo apressado e maletinha preta na mão direita, rumo à sala de atendimentos.
Naquele dia, a primeira consulta era o Seu Nério.
Este foi diagnosticado havia três anos, com traços de esquizofrenia ou algo que o valha. Não sei, direito, o que o César me disse. Sei que ele apresentava alucinações visuais e, comumente, conversava com o espírito desencarnado de um centurião da Roma Antiga e tinha o “rei na barriga, só porque era um dos preferidos do imperador”. Era isso que o Seu Nério falava do defunto, sussurrando, quando este não se fazia presente.
Após esse tempo todo de tratamento, o doutor César achava que já era hora de deixar o Seu Nério cuidar de sua vida sem as medicações. Estava tudo às mil maravilhas e o prognóstico não poderia ser melhor.
- Bom dia, Seu Nério! Como foi a semana?
- Tudo bem, doutor! Não tenho sentido mais nada e consegui um emprego essa semana, de garçom, num restaurante chique lá do centro.
- Mas que coisa boa! Então quer dizer que já está pronto para receber alta? É isso?
- Como assim, doutor? Acha que estou bom, já? Não preciso mais usar os medicamentos?
- Calma! Deverá usar, sim, a medicação, por um tempo. No entanto, vou diminuir a dosagem e, a partir de agora, nos veremos menos vezes. Ficará livre do tratamento em breve e não precisará mais passar as manhãs aqui no hospital. Poderá voltar à vida normal. Que acha?
- Que maravilha! Acho que estou pronto, sim!
- Ótimo, Seu Nério! Vou preencher esse formulário e... pronto! Agora é só entregar pra secretária e estará livre. Boa notícia, Seu Nério? Feliz?
- Sim, doutor! Por demais! Queria agradecer por tudo, viu, doutor. Foi muito importante pra mim, nesse tempo todo. Se não fosse o senhor eu não sei o que... doutor, o senhor tá pegando fogo!
O sorriso do doutor se fechou na hora e franziu a testa.
- Como é, Seu Nério?
- Doutor, o senhor tá pegando fogo!
- Mas como você me faz isso? Estou pensando em dar alta e...
- Doutor, o senhor tá pegando fogo!
- Calma! Dê-me, aqui, esse formulário e vamos conversar um pouco.
Mil coisas se passaram pela cabeça do doutor. Questionou-se, inclusive, se estava na profissão certa e que tipo de profissional era esse que dava alta a quem é doido de pedra, o Seu Nero (pensou).
- Doutor, o senhor tá pegando fogo.
E, antes que o doutor se levantasse para pegar o formulário, o paciente se precipitou e saiu em direção a pia que havia na sala, gritando “fogo!”, encheu a mão de água e tacou no doutor. Foi, então, que o César sentiu um certo cheiro de queimado e, de onde, ele não havia percebido, ainda. Olhou à sua volta e nada. Tirou os óculos e, seguindo o fedor, notou que, do bolso de seu jaleco, o fogo já tomava conta. Quase perdeu seu uniforme. Mas, depois do corre-corre e da gritaria toda, foi forçado pela diretoria do hospital a tirar umas férias e viajar. Nunca mais, também, esqueceu-se de colocar o cigarro aceso no cinzeiro em vez de guardá-lo nos bolsos, pensando ser uma caneta; a mesma que dá alta a seus pacientes sãos.

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