Outro dia, conversava com uma amiga que há muito eu não via. É gostoso reencontrar pessoas queridas. Boas novas soam como alento à alma; as novidades. Matamos, um monte, as saudades! Hoje ela está empregada e feliz por ter conseguido um trabalho em sua área de formação (ela é advogada). Lamenta-se do salário mixuruca que recebe, sabendo perfeitamente o tamanho do seu valor. Mas, isso não tira seu bom-humor habitual. Está em paz com sua família. O casamento não tarda em chegar, pelo visto. É só questão de tempo.
Lá pelas tantas era ela quem questionava a minha vida. Daquela época em que nos conhecemos, ela trazia a lembrança de que eu estava solteiro. Não sei por que cargas d’água, mas sua espontaneidade demonstrou-se vacilante por um momento e me perguntou num tom baixo:
- E o coração? Nada, ainda?
Juro por Deus que me senti aquele pai de família que sai de casa segunda-feira às cinco e meia da manhã, rumo à fila de emprego, em busca do seu lugar mais sombreado na vida, ainda que com o salário mixuruca e que, ao chegar em casa, a família reunida na sala, ansiosa pela resposta do homem, não tem coragem, sequer, de pronunciar a palavra “emprego” ou de perguntar se deu certo, e sai somente um “e aí?”. Parece que se evita uma ofensa ou um palavrão pronunciado que pode gerar, no mínimo, o risco de um ataque do miocárdio ao doente em questão, já sabendo que a resposta é um cabisbaixo balançar de cabeça e penoso “nada, ainda!”.
Comecei a rir sozinho e expliquei a ela o que me havia ocorrido naquele instante. É engraçado como algumas coisas parecem tabus. É um cuidado que se tem em certas áreas da vida de uma pessoa, sob a intenção de não expô-la ou abrir uma ferida delicada num coração que pode estar sofrido.
Foi, então, que saltaram às idéias outras situações curiosas e semelhantes a essa.
Há aqueles que se utilizam, como compensação a uma gafe movida por esse tipo de curiosidade “perigosa”, uma espécie de auto-nomeação que justifique o ato. Já conheceu alguém que tenha dito, com certo ar de soberba, algo do tipo “eu sou autêntico!”? Eu já conheci alguns desse tipo e nenhum deles me pareceu tão ávido por autenticidade.
Quem, ao contrário, nunca passou por situação semelhante ao encontrar com um velho amigo que, depois de dez minutos de conversa, pergunta em tom irônico:
- Mas, e vem cá... e aquela vizinha safadinha que você tinha naquela época? Aquela que costumava trocar de roupa com a janela aberta, de propósito, pra quem quisesse ver... tem visto?
Ao que se ouve, como resposta, um seco:
- Eu me casei com ela.
Aí já não adianta mais. A cautela inerente (em teoria) já foi pro saco. Resta o bom senso de se ficar sem graça e calar-se, despedindo-se.
Há, inclusive, os que se seguram até onde conseguem. Foi outro dia que vi um amigo rodeando toco pra perguntar ao companheiro de longas datas acerca de sua ex-namorada:
- ... Gorila, o negócio é o seguinte... tem uma coisa, aí, que tô querendo te perguntar tem tempo... mas, sabe como que é, né... a gente não tem se falado muito mais... a gente tem perdido o contato... sabe... é o seguinte: eu queria saber se você tem notícias...assim, só por curiosidade boba, sabe... mas se você tem se encontrado com aquela sua ex... como é, mesmo, o nome dela?... Aquela altona, muito... simpática... a que quase se casou com você...
- A Nildovânia?
- Isso! A Nildovânia, pois é!
- Ontem eu falei com ela. A gente foi almoçar juntos. Mas essa curiosidade se deve a que?
- Nada! Nada!... Coisa boba, Gorila... (puta merda!)... Mas e vocês... estão juntos de novo? Assim... você ainda... gosta dela... ou não?
- Claro! Ela é muito querida! Mas a gente se trata como amigos, somente. Aliás, ela me disse que tem falado bastante com você, ultimamente, não é?
- Ela falou isso, é, Gorila?... Mas, mas... que mais ela disse?
- Disse que têm se encontrado de duas semanas pra cá. É verdade?
- Bem... é!.. quer dizer...mais ou menos, né... sabe que você é meu amigo e eu não iria fazer nada sem antes saber de você... mas, é... to gostando dela também. Você não se importa, né?
E, depois de todo sofrimento acumulado:
- Vai fundo, Caveira!
A grande questão é que, por mais que a coisa esteja feia, as perguntas sempre aparecem. Elas parecem ser donas de nossos pensamentos. É, sim! Somos, mesmo, escravos das perguntas. E só acontece com a gente, bicho homem. Nunca vi uma hiena, nos documentários da televisão, perguntar ou pedir licença ao “Seu Leão”, pra saber se a carniça já tem dono.
Aí, então, vai uma pergunta a mais:
Que mal há nisso?
Perguntar não arranca pedaços, gente. O que constrange é se o pedaço já foi arrancado. Mas, aí, fazer o quê? Não há mais como colar.
Lá pelas tantas era ela quem questionava a minha vida. Daquela época em que nos conhecemos, ela trazia a lembrança de que eu estava solteiro. Não sei por que cargas d’água, mas sua espontaneidade demonstrou-se vacilante por um momento e me perguntou num tom baixo:
- E o coração? Nada, ainda?
Juro por Deus que me senti aquele pai de família que sai de casa segunda-feira às cinco e meia da manhã, rumo à fila de emprego, em busca do seu lugar mais sombreado na vida, ainda que com o salário mixuruca e que, ao chegar em casa, a família reunida na sala, ansiosa pela resposta do homem, não tem coragem, sequer, de pronunciar a palavra “emprego” ou de perguntar se deu certo, e sai somente um “e aí?”. Parece que se evita uma ofensa ou um palavrão pronunciado que pode gerar, no mínimo, o risco de um ataque do miocárdio ao doente em questão, já sabendo que a resposta é um cabisbaixo balançar de cabeça e penoso “nada, ainda!”.
Comecei a rir sozinho e expliquei a ela o que me havia ocorrido naquele instante. É engraçado como algumas coisas parecem tabus. É um cuidado que se tem em certas áreas da vida de uma pessoa, sob a intenção de não expô-la ou abrir uma ferida delicada num coração que pode estar sofrido.
Foi, então, que saltaram às idéias outras situações curiosas e semelhantes a essa.
Há aqueles que se utilizam, como compensação a uma gafe movida por esse tipo de curiosidade “perigosa”, uma espécie de auto-nomeação que justifique o ato. Já conheceu alguém que tenha dito, com certo ar de soberba, algo do tipo “eu sou autêntico!”? Eu já conheci alguns desse tipo e nenhum deles me pareceu tão ávido por autenticidade.
Quem, ao contrário, nunca passou por situação semelhante ao encontrar com um velho amigo que, depois de dez minutos de conversa, pergunta em tom irônico:
- Mas, e vem cá... e aquela vizinha safadinha que você tinha naquela época? Aquela que costumava trocar de roupa com a janela aberta, de propósito, pra quem quisesse ver... tem visto?
Ao que se ouve, como resposta, um seco:
- Eu me casei com ela.
Aí já não adianta mais. A cautela inerente (em teoria) já foi pro saco. Resta o bom senso de se ficar sem graça e calar-se, despedindo-se.
Há, inclusive, os que se seguram até onde conseguem. Foi outro dia que vi um amigo rodeando toco pra perguntar ao companheiro de longas datas acerca de sua ex-namorada:
- ... Gorila, o negócio é o seguinte... tem uma coisa, aí, que tô querendo te perguntar tem tempo... mas, sabe como que é, né... a gente não tem se falado muito mais... a gente tem perdido o contato... sabe... é o seguinte: eu queria saber se você tem notícias...assim, só por curiosidade boba, sabe... mas se você tem se encontrado com aquela sua ex... como é, mesmo, o nome dela?... Aquela altona, muito... simpática... a que quase se casou com você...
- A Nildovânia?
- Isso! A Nildovânia, pois é!
- Ontem eu falei com ela. A gente foi almoçar juntos. Mas essa curiosidade se deve a que?
- Nada! Nada!... Coisa boba, Gorila... (puta merda!)... Mas e vocês... estão juntos de novo? Assim... você ainda... gosta dela... ou não?
- Claro! Ela é muito querida! Mas a gente se trata como amigos, somente. Aliás, ela me disse que tem falado bastante com você, ultimamente, não é?
- Ela falou isso, é, Gorila?... Mas, mas... que mais ela disse?
- Disse que têm se encontrado de duas semanas pra cá. É verdade?
- Bem... é!.. quer dizer...mais ou menos, né... sabe que você é meu amigo e eu não iria fazer nada sem antes saber de você... mas, é... to gostando dela também. Você não se importa, né?
E, depois de todo sofrimento acumulado:
- Vai fundo, Caveira!
A grande questão é que, por mais que a coisa esteja feia, as perguntas sempre aparecem. Elas parecem ser donas de nossos pensamentos. É, sim! Somos, mesmo, escravos das perguntas. E só acontece com a gente, bicho homem. Nunca vi uma hiena, nos documentários da televisão, perguntar ou pedir licença ao “Seu Leão”, pra saber se a carniça já tem dono.
Aí, então, vai uma pergunta a mais:
Que mal há nisso?
Perguntar não arranca pedaços, gente. O que constrange é se o pedaço já foi arrancado. Mas, aí, fazer o quê? Não há mais como colar.
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